Reclamações sobre falta de energia continuam em São Paulo e ENEL pode ser responsabilizada
Tanto a União quanto os consumidores podem cobrar da concessionária que o serviço seja prestado de forma estável
No início da semana, bairros da capital paulista sofreram com a falta de energia. Alguns locais chegaram a ficar mais de 24 horas sem luz. Na quarta (20/03), uma nova queda atingiu os consumidores da região central. A ENEL, concessionária que fornece energia para São Paulo, alegou que o problema foi provocado por uma escavação realizada pela Sabesp, que teria atingido acidentalmente cabos da rede subterrânea da distribuidora, causando a interrupção da energia.
Em meio a um calor de mais de 32°C, moradores da região central da cidade narraram uma rotina de problemas, perdas e perturbações que vão além da questão financeira. A Prefeitura de São Paulo disse que acionará a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), responsável pela fiscalização dos serviços prestados pela concessionária, e o TCU (Tribunal de Contas da União) contra a ENEL pelo blecaute.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também encaminhou um ofício à ANEEL determinando “célere e rígida apuração dos fatos, bem como responsabilização e punição rigorosa da concessionária”. A nota afirma ainda que a ENEL tem demonstrado incapacidade de prestar serviços de qualidade à população.
Segundo Rafael Marinangelo, especialista em concessões, licitações e Logística, a ANEEL pode aplicar uma gama de penalidades à ENEL, por inobservância aos deveres ou às obrigações decorrentes do contrato de concessão, dentre elas, figuram: advertência, multa, embargo de obras, interdição de instalações, obrigação de fazer, obrigação de não fazer, suspensão temporária de participação em licitações para obtenção de novas concessões, permissões ou autorizações, bem como impedimento de contratar com a ANEEL e de receber autorização para serviços e instalações de energia elétrica, revogação de autorização, intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica, e ainda caducidade da concessão ou da permissão.
“É importante ressaltar que a ANEEL pode aplicar a pena de multa de forma isolada, isto é, somente a multa propriamente dita, ou ainda em conjunto com outras penalidades. Tal possibilidade é prevista no artigo 7º, da Resolução Normativa n.º 846/2019 que estabelece procedimentos, parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor de energia elétrica”, explica.
A multa em questão pode alcançar até 2% da Receita Operacional Líquida ou o valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente da ENEL, ambos correspondentes aos doze meses anteriores à lavratura do Auto de Infração, sendo ainda de importante destaque que a concessionária não poderia promover o repasse tarifário ou orçamentário do valor relativo à penalidade de multa por expressa disposição do mesmo artigo da dita Resolução Normativa.
Quanto a possibilidade de o contrato de concessão ser desfeito, Rafael explica que tal medida se mostra a mais extrema e complexa que a ANEEL poderia adotar em face da ENEL, mostrando-se, portanto, pouco provável. A agência reguladora precisaria comprovar que a empresa não tem capacidade de cumprir com as obrigações da atividade. Para o especialista, em que pese os problemas na prestação dos serviços pela concessionária estejam sendo recorrentes nos últimos tempos, ela está há cerca de quatro anos dentro dos limites regulatórios.
“É mais provável, pela complexidade envolvida na caducidade do contrato e substituição do concessionário, que haja algum tipo de penalidade pecuniária e, eventualmente, a intervenção na concessão.”
Sobre essa última possibilidade, Rafael pontua que o contrato firmado entre a União e a ENEL prevê a possibilidade de intervenção na concessão, para assegurar a prestação adequada dos serviços ou o cumprimento das normas legais, regulamentares e contratuais. Esta intervenção é determinada por decreto do Presidente da República, que designará um interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida.
Em seguida, deve ser instaurado, dentro dos 30 dias seguintes a publicação do decreto, o correspondente procedimento administrativo para apurar as causas determinantes da medida e as responsabilidades incidentes, assegurando-se à concessionária amplo direito de defesa. Se o procedimento administrativo não terminar dentro de 180 dias, torna-se inválida a intervenção, devolvendo-se à concessionária a administração dos serviços, sem prejuízo de seu direito à indenização.
Direitos dos consumidores
A questão também envolve a responsabilização da ENEL pelos danos causados aos consumidores, tanto que a empresa foi notificada pelo Procon-SP para que envie informações detalhadas sobre as interrupções no fornecimento de energia elétrica. Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor, pontua que os consumidores têm direitos garantidos pela ANEEL em casos de falta de luz prolongada e podem ser ressarcidos pelos prejuízos decorrentes da interrupção no fornecimento de energia, conforme previsto na Resolução Normativa nº 1.000/2021.
O consumidor pode pedir o ressarcimento direto na distribuidora, começando pela queixa nos canais oficiais. Além disso, é possível registrar uma reclamação na Aneel e no Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon). É possível ainda processar a distribuidora de energia elétrica caso não sejam devidamente ressarcidos pelos danos causados pela falta de luz.
“Não existe um tempo limite definido para a falta de energia elétrica que automaticamente configure dano moral. No entanto, quando a falta de energia é prolongada, como no caso de bairros de São Paulo que ficaram 24 horas sem luz, os consumidores podem argumentar que houve descumprimento do dever da distribuidora de fornecer o serviço de forma adequada e contínua, o que pode caracterizar um dano moral”, conclui Stefano.
Fonte:
Rafael Marinangelo, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, especialista em concessões, licitações e Logística e pós-Doutor em Direito pela USP.
Stefano Ribeiro Ferri – Especialista em Direito do Consumidor e Saúde, Assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP, Membro da comissão de Direito Civil da OAB – Campinas.